A maior termelétrica do Brasil movida a combustível renovável – gás
procedente de aterro sanitário – inaugurada no dia 16, na
cidade de Caieiras, na Grande São Paulo. A Termoverde Caieiras tem potência
instalada de 29,5 megawatts (MW) e gera energia renovável a partir do lixo
depositado em aterro, que libera o gás metano, usado como combustível para a
termelétrica.
O gás metano, também encontrado como combustível fóssil, é chamado
biogás quando obtido a partir da decomposição de alguns tipos de matéria
orgânica como resíduos agrícolas, madeira, bagaço de cana-de-açúcar, esterco,
cascas de frutas e restos animais e vegetais.
Considerando possíveis perdas, a média para a geração de energia deve
chegar a 26 MW por hora, o que é o mesmo consumido por uma cidade de 300 mil
habitantes, como o Guarujá, Taubaté ou Limeira.
Os aterros sanitários geram muito metano, que é um dos gases do efeito
estufa. Antes da utilização para a geração de energia, esse metano era queimado
em flare, que é um sistema de queima controlada capaz de
transformá-lo em gás carbônico (CO2), com potencial de aquecimento global cerca
de 20 vezes menor que o metano. Agora, com a termelétrica, além de evitar que o
metano seja liberado na atmosfera, ele será transformado em energia elétrica.
“O primeiro processo, que é o de evitar a emissão de gás de efeito
estufa, já estava sendo garantido. Mas faltava um fim mais nobre nesse
processo”, disse Carlos Bezerra, diretor da Termoverde Caieiras, do grupo
Solvi. Segundo ele, o projeto só foi possível com o incentivo dos governos
federal, por meio do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da
Infraestrutura (REIDI), e estadual, pela isenção do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS).
“É sustentável, é uma excelente opção. Na medida em que você está
captando biogás e queimando, de alguma forma, para não jogar na atmosfera, esse
biogás já é absolutamente sustentável. Melhor ainda quando você está usando
para um fim energético”, afirmou a professora Suani Teixeira Coelho,
coordenadora do Grupo de Pesquisa em Bioenergia (Gbio), do Instituto de Energia
e Ambiente (IEE-USP).
Ela acrescentou que a técnica é pouco utilizada por falta de viabilidade
econômica. “Os empreendedores, muitas vezes, acham que o custo dessa eletricidade
não é baixo que ele consiga depois comercializar”, disse.
Geração descentralizada
“Se olharmos só para esse número - 30 megawatts -, as pessoas podem
achar pequeno, porque têm [a usina hidrelétrica de] Itaipu, que gera 11 mil MW,
mas é justamente a nova proposta energética, em termos até mundiais, da chamada
geração descentralizada, quer dizer, são feitas pequenas gerações em vários
produtores, que têm uma logística muito mais fácil”, explicou Suani.
Para transmitir a energia gerada em Itaipu, localizada na fronteira
entre o Brasil e o Paraguai, há uma grande linha até a cidade de São Paulo. A
professora ressaltou que, se há algum problema nessa enorme linha de
transmissão, toda a cidade fica no escuro. “Como já aconteceu no passado, nós
tivemos um blecaute em São Paulo, de três horas, na cidade toda, porque caiu o
'linhão' de Itaipu inteiro”.
Segundo ela, uma geração de energia descentralizada, a partir de aterros
ou de usinas de açúcar que usam o bagaço da cana, evitariam um apagão como
aquele. “Além disso, você está perto do ponto de carga [onde haverá consumo].
No Brasil, o maior consumo de energia está na Região Sudeste, então, quando
você está gerando energia elétrica aqui no Sudeste, você não precisa usar
linhas de transmissão”, acrescentou.
Outra vantagem citada por Suani é a possibilidade de substituição da
energia de origem fóssil pela renovável. A energia antes gerada por uma
termelétrica a diesel ou a carvão poderá ser substituída por aquela gerada a
biogás.
O diretor da termelétrica lembrou que a Termoverde gera crédito de
carbono. “Eu gero crédito de carbono pela queima, pela destruição [do metano] e
também por gerar uma energia renovável e não uma fóssil. Estou colocando na
matriz energética uma energia renovável em vez da fóssil”.
Protótipo
O Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio) do IEE-USP
desenvolveu o mesmo projeto, porém em menor escala, entre 2006 e 2009, com
financiamento do Ministério de Minas e Energia, com o objetivo de implementar
um sistema de geração de energia elétrica e de iluminação a partir de biogás procedente do tratamento de resíduos sólidos
urbanos [1]em aterro sanitário.
O aterro sanitário selecionado foi o mesmo que hoje inaugura a
termelétrica, com significativa potência instalada. Na época, o estudo concluiu
o que atualmente a Termoverde vê na prática: “a geração de energia elétrica,
proporcionando ao aterro economia em relação aos gastos com a energia elétrica
adquirida da rede, proveniente da concessionária local, além de possibilitar a
obtenção e comercialização dos créditos de carbono e receita com a venda da
energia excedente”.
Um novo estudo, em que a professora está envolvida, calcula o potencial
de geração de energia elétrica no estado de São Paulo a partir do biogás de
aterro. “Se conseguíssemos que todo o lixo de São Paulo fosse para aterros
sanitários e todo esse lixo fosse usado para conversão de energia, a gente
podia ter até cerca de 500 MW gerados com a população de 2016 no estado de São
Paulo”, disse. Isso seria quase 17 vezes mais do que a Termoverde tem
capacidade de gerar.
Resíduos sólidos
O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam),
Carlos Bocuhy, vê a estratégia de transformação do metano em energia elétrica
como medida paliativa para um problema maior, que é a destinação dos resíduos
sólidos no país.
“A solução é a implementação dos princípios da Política Nacional de
Resíduos Sólidos. Há cinco anos ela deveria ter sido implementada, seria a
melhoria da cadeia produtiva, reduzindo no final tudo aquilo que é produzido
hoje como lixo e tudo, no fim da cadeia produtiva, passaria a ser passível de
reciclagem”, argumentou.
A disposição de resíduos no Brasil e no mundo, de acordo com Bocuhy, tem
que passar por uma transformação, impedindo que ocorram processos que gerem gás
metano e que depois seja necessária sua queima. “É um problema estrutural.
Estão utilizando a termelétrica como forma de amenizar o impacto daquilo que já
foi feito”, acrescentou.
Edição: Graça Adjuto