O
que esconde a falsa liderança?
Panorama
Calmaria
Inquietante
Ao chegarmos à empresa, nos
deparamos com um ambiente harmonioso. O comportamento dos funcionários
aparentava que todos estavam no lugar certo, na hora certa, fazendo a coisa
certa. Fomos encaminhados à sala do único homem que demonstrava alguma inquietação:
o maior acionista. Após os cumprimentos e as apresentações de praxe, ouvimos as
preocupações do primeiro homem daquele templo de prosperidade.
Ele nos contou que sua
empresa, há 40 anos fornecedora de matéria-prima para a fabricação de produtos
plásticos, tinha um ótimo volume de vendas e era líder de mercado, mas a margem
de lucro reduzia a cada ano fiscal. “Estamos numa situação tranquila, mas
precisamos melhorar”, disse, sem querer expressar suas apreensões excessivas
diante daqueles que o julgavam “estressado”, sem nenhum motivo concreto. Tudo
caminhava conforme o previsto, já que, segundo a diretoria comercial, o
achatamento das margens era uma questão de sobrevivência, pois, além da
competição de preço interna desleal, uma líder mundial estava entrando no
Brasil oferecendo preços ainda mais agressivos.
Diagnóstico
Custo
de butique e atuação de commodity
Depois de duas visitas e
avaliação detalhada de mercado, elaboramos o levantamento prévio dos processos
de gestão que envolviam os principais departamentos. Constatamos que a empresa
era líder. Mas líder em quê? Em um segmento dominado por pequenos negócios que,
como nosso potencial cliente, forneciam matéria-prima para a fabricação de
produtos de utensílios domésticos. Ou seja, nosso presidente era líder dos
donos de empresas de “fundo de quintal”. Considerava-se na liderança por
visualizar um universo restrito de atuação, que envolvia uma pequena fatia de
mercado, apesar de possuir capacidade técnica para atender segmentos
industriais de maior valor agregado que exigem produtos de excelência.
Munidos desse diagnóstico
inicial, partimos para uma nova reunião com a alta liderança. Expusemos nossa
avaliação, destacando uma visão mercadológica ampla, em sintonia com a
capacidade técnica e produtiva da empresa. Apontamos que eles eram líderes em
termos de volume, de múltiplos segmentos, ou seja, não havia a tão aclamada
liderança.
Colocamos que a empresa não
estava alinhada ao próprio know how. Eles tinham à disposição, e pagavam por
isso, tecnologia e profissionais altamente especializados para desenvolverem os
melhores produtos, enquanto a atuação da área comercial limitava-se aos
pequenos segmentos de baixa exigência de performance. A empresa arcava com um
custo de butique e atuava no segmento de commodities. Em síntese, mostramos que
se não houvesse um forte trabalho de reposicionamento de mercado o resultado
seria a liquidação ou a manutenção da “liderança” entre os mais de 400
concorrentes, muitos deles informais. Diante de dados irrefutáveis, os três acionistas
nos contrataram para que mostrássemos como “fazer diferente”.
Começa
a desconstrução
Comportamento
indevido ou incompetência?
Com o compromisso de trazer
soluções práticas que refletissem diretamente na conquista de novos negócios e
margens de lucro satisfatórias, começamos a trabalhar. Apesar de algumas
resistências, tivemos acesso livre aos processos administrativos e comerciais.
Afinal, precisávamos entender como uma empresa com potencial para atender ao
parque industrial nacional e corporações internacionais de engenharia
limitava-se a garantir volume em detrimento da qualidade e excelência de
produtos.
Veio a primeira descoberta: na
área de suprimentos, encontramos pedidos de compras de matérias-primas nobres,
mas os fornecedores entregavam matérias-primas populares. Uma constatação que
poderia ter uma explicação: comportamento indevido de funcionários e
incompetência administrativa.
Em posição de alerta, elegemos
a cautela como prioridade de trabalho. Em paralelo, analisávamos a área
comercial, onde encontramos representantes empenhados em “tirar pedidos” de
grandes volumes destinados a centenas de pequenos clientes. Ao cruzarmos
informações, nos deparamos com uma situação embaraçosa: o envolvimento de altos
funcionários e fornecedores em compras irregulares. Diante disso, pedimos um
encontro com os três acionistas em nosso escritório, convite aceito
prontamente.
Soluções
para mudar o tempo
Reuniões
secretas, susto e indignação
No encontro, munidos de laudos
comprobatórios, expusemos os dados levantados, o que de imediato fez com que os
acionistas responsabilizassem funcionários com pouco ou nenhum poder para
manter uma estrutura irregular tão bem amarrada e organizada. Sem opinar,
explicamos que o esquema montado consistia em manter a venda de varejo para que
não houvesse exigência de produto de alta qualidade técnica, que supostamente
deveria ter sido produzido com a matéria-prima nobre paga e não entregue pelo
fornecedor. Olhares se cruzaram, demonstrando surpresa e descrédito. A partir
desse ponto, pedimos sigilo até que pudéssemos identificar os envolvidos.
Nossos visitantes ainda não estavam preparados para ouvir o que tínhamos a
revelar. Marcamos uma segunda reunião, também em nosso escritório, para depois
de dois dias, tempo que julgamos suficiente para que assimilassem o baque
inicial.
No dia e horário marcados eles
voltaram menos defensivos, com disposição de resolver o caso o mais rápido
possível. Com habilidade, dissemos que o problema exigia certos cuidados e
decisões firmes, porque conseguimos comprovar a atuação direta da
vice-presidência e das diretorias comercial e técnica. Primeiro veio o susto e
logo depois a indignação. Como um vice-presidente, há vinte anos no cargo, foi
capaz de participar de um conluio para tirar vantagens pessoais? A essa e
outras perguntas indignadas respondemos que agora o melhor caminho seria
desmanchar essa estrutura, sangria que imobilizava a empresa a um custo de
cerca de 15% do valor bruto nominal desviado, e construir um futuro próspero e
sólido. Proposta aprovada, partimos para as soluções.
O
desmanche de um conluio
Em reuniões reservadas fora da
empresa, apresentamos e discutimos uma profunda reestruturação administrativa e
comercial. Primeiro precisávamos “arrumar a casa”. Atendendo sugestões da
consultoria, os acionistas afastaram o vice-presidente com o mínimo de trauma
possível. Em paralelo, substituímos os diretores comercial e técnico, e toda a
equipe de representantes foi renovada.
Para desfazer o conluio com
pessoas externas à empresa, negociamos diretamente com os fornecedores que
prontamente aceitaram nossas propostas de afastamento de funcionários e adoção
de regras mais rígidas de controle de pedidos e entregas. Reposicionamos a
empresa no mercado e abrimos as portas para a exportação. A ausência de
governança corporativa, o que facilitava comportamentos antiéticos e gestão
equivocada, foi suprida com a criação de um conselho administrativo forte e
atuante.
Em pouco tempo, nosso cliente
conquistou o mercado das grandes indústrias nacionais, reduziu seu risco
produtivo e despesas físicas, expandiu suas plantas de produção, atingiu
rentabilidade histórica – passando de 8% para 19% – e recentemente abriu o
capital na Bolsa de Valores. Cumprimos o desafio de “fazer diferente” e o
presidente assumiu a liderança real, a qual sempre teve direito.